Quando numa situação de crise uma pessoa tenta acalmá-lo e você se sente mais aliviado, não são as palavras amigas que lhe confortam, mas seu sistema nervoso autônomo (SNA) que reage à liberação de oxitocina, fazendo o corpo se acalmar. Essa nova abordagem neurofisiológica do trauma humano tem sido estudada por cientistas em todo o mundo e três dos mais conhecidos deles se reúnem pela primeira vez este fim de semana, em evento no Colégio Brasileiro de Cirurgiões, em Botafogo, onde discutem as novidades no assunto. Um dos objetivos da visita de Peter Levine, Stephen Porges e Sue Carter ao Brasil é preparar profissionais das áreas de saúde e educação para lidar com pessoas em situações de muito estresse e evitar o desenvolvimento de traumas.
A abordagem — eles dizem — deve ser a mais afetuosa possível, transmitindo confiança, seja com uma criança assustada após um tombo na escola, seja num atendimento de emergência após um acidente de carro, por exemplo. Isso porque estudos recentes realizados em parceria por Porges, neurocientista, e Sue Carter, neuroendocrinologista pioneira em estudos sobre o hormônio oxitocina, mostram que o nervo vagal, integrante no SNA, pode estar conectado à rede de receptores para a oxitocina, um neurotransmissor relacionado à confiança, à afetividade, ao amor, à amizade e aos laços maternais. Pessoas com alta ativação dessa região cerebral tenderiam a ser mais afetuosas, generosas e altruístas.
— Nossos estudos indicam que as áreas do tronco cerebral que regulam o SNA são ativadas pela oxitocina, com o efeito de relacionar as áreas do cérebro que regulam o sistema nervoso autônomo a outras regiões — diz Sue — Estes resultados estão começando a explicar como e onde, dentro do cérebro, a oxitocina pode atuar para ajudar a modular reações a eventos traumáticos. Esse hormônio parece ser parte de um sistema natural de proteção, que permite que os mamíferos usem o comportamento social para modular suas reações a desafios ou estresse.
Stephen Porges defende que nossa resposta a uma situação de crise envolve sistemas localizados em nosso tronco cerebral, onde está o SNA. Ele tem uma teoria evolutiva, segundo a qual, para preservar a vida, o mamífero entra num estado de congelamento diante de uma ameaça. Essa resposta é inconsciente. Seus estudos mais recentes falam do papel do nervo vago ventral, no SNA, para nos fazer sair deste estado. Quando esta resposta falha, a pessoa entra num estado de trauma e precisa ser tratada.
— Se o medo está associado a uma ameaça à vida, como é o caso de indivíduos gravemente traumatizados, estamos num território desconhecido do comportamento humano. Isso é um problema, porque não evoluímos com mecanismos para corrigir essa resposta, que é um último recurso, fora da esfera do comportamento voluntário — explica Stephen Porges.
Assim como sua origem, a solução do trauma passa pelo organismo, afirmam os especialistas. Sintomas de que algo vai mal são dificuldade para dormir, excesso de vigilância, sobressaltos e dores constantes. Segundo Sonia Gomes, uma das diretoras da Associação Brasileira do Trauma (ABT), organizadora do evento, com apoio da UFRJ, toda pessoa traumatizada passou por um momento de estresse extremo, mas nem todo mundo que se vê numa situação assim estende suas reações, configurando um estado de trauma grave.
Os eventos que mais costumam desencadear estas respostas estão ligados à violência — assaltos, abusos sexuais e corporais, sequestros — e também a desastres naturais, como furacões e enchentes. No Brasil, 10% das crianças de baixa renda sofrem abusos e espancamentos dentro de casa. Destas, 35,8% apresentam transtorno de estresse pós-traumático, segundo dados da ABT.
O autor do livro “O despertar do tigre — curando o trauma” (Editora Summus), Peter Levine, propõe o tratamento através da experiência somática, metodologia que chegou ao Brasil há 13 anos. Seu foco não é o evento em si, mas a capacidade de resistência fisiológica do organismo em reagir a uma situação traumática sem se desorganizar. Na prática, a técnica trabalha os processos fisiológicos interrompidos nos pacientes através das sensações corporais. Eles são conduzidos pelo terapeuta a perceber quais são as manifestações do trauma em seu organismo.
— Às vezes, em uma única sessão, a pessoa se sente mais aliviada — explica Cornélia Rossi, diretora-fundadora da ABT. — Nas terapias tradicionais, os pacientes demoram anos, relembram o evento, o que consideramos fisiologicamente inadequado porque há a necessidade de a pessoa se traumatizar de novo.
De acordo com Levine, a técnica pode ser aplicada em crianças e adultos. Seu paciente mais velho tinha 98 anos. Para todos, é consenso que o trauma precisa ser tratado não só por uma questão de qualidade de vida do indivíduo, mas, também, para evitar que problemas mais graves apareçam, como uma síndrome do pânico, ou mesmo a reprodução de comportamentos violentos na vida futura. Estas seriam consequência não só para o indivíduo e as pessoas que o cercam, mas para toda a sociedade
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